eu escrevi um roteiro. meu primeiro roteiro. cercado de telhas, cercado de sonhos, cercado de tempo, cercado dessa vontade minha - nossa - de fazer parte do infinito. no meu roteiro, um projecionista de cinema é o personagem principal. frustrado em seu casamento, em sua vida, em seu sempre-a-mesma-coisa, meu projecionista se apaixonada por essa menina. que entra em cena de maneira divina, sem fazer barulho, sem causar espanto, única, solitária, inocente, linda. a minha menina é apaixonada por um ator de filme mudo. a minha menina vai todos os dias ao pequeno cinema do projecionista. a minha menina vira a menina do meu projecionista. e a coisa anda de várias formas. o fato é que eles entram na tela do cinema, e eles são felizes. normal. por que não ?
por que o sonho não pode nunca ser mais forte que a realidade. é preciso drama, tragédia mesmo, é preciso que alguém morra para que a fantasia se realize.
pelo menos foi o que me disse, de maneira sentencioza, a minha professora do curso de roteiro. a felicidade fácil, tranquila, gera frustração. eu teria que matar meu projecionista. esse era o plano. ele morre, e então tudo acaba bem. tranquilo, cartasis.
não. meu corpo todo implora a esses dedos que não teclem esse fim para a minha pequena história. mas, estamos em França, e lá fora os -3,5 graus afetam os afetos. sou eu navengando contra uma corrente de flocos de neve - 100 km/h - só agora entendo que o frio nesse mundo não é frio, é mal, é qualquer coisa que faz mal, que ultrapassa qualquer sentimento de frio, por mais intenso que fosse, que eu pudesse jamais sentir.
é desse frio que eu sobrevivo, dia-a-dia, aprendendo o "bonjour, monsieur" para o simpático rapaz de vinte anos sentado à minha direita na ida do trem.
sólido gelo estrangulando (meu) corações.
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