segunda-feira, 14 de abril de 2008

Cadernos . 1




Não. eu não costumo fazer isso, escrever sobre filmes, mas este aqui eu achei necessário.

Amores expressos. e andei pensando. cheguei à conclusão de que nada é mais Wong Kar-Wai que amores expressos. diretor apaixonado, kar-wai me parece um eterno desbravador dos conflitos amorosos que ultrapassam os seres humanos, um ambicioso em tentar configurar, dentro deste contexto, a insustentabilidade do espaço e do tempo. este é o meu wong kar-wai. e é por isso o acredito e procuro uma justa defesa para o que se comenta por aí sobre seu novo filme: My Blueberry Nights.

apresentando. o filme é, mais uma vez, um condensado kar-wai, mas aqui enlatado à la USA, e isso é o que afronta os aficcionados. kar-wai se vendeu. kar-wai caiu o nível. kar-wai virou clichê. qual o quê. kar-wai se afirmou, conseguiu usar todo seu charme para colocar seu cinema mais típico, mais estético, mais preciso, dentro de um cenário by hollywood. é difícil para os fanáticos da trilogia amores expressos, amor à flor da pele e 2046 compreender o que é esse kar-wai feito para norah jones. talvez eu também nunca chegue lá, mas tenho um palpite. ouvi pelas línguas que correm por aí, que o diretor fez esse filme como um episódio que não coube no amor à flor da pele, escrito ao tempo em que ouvia norah jones. achou na moça toda a composição que precisava para sua personagem. anos mais tarde, pensou: quem seria melhor para o papel do que a própria? e aí, só, e com mais alguns que acreditaram, resolveu filmar. até aqui, ok, mas por que USA? há de se prestar atenção ao cinema de que estamos falando. wong kar-wai é um diretor do cotidiano mais cotidiano e íntimo possível. se até hoje seus filmes tem um ritmo tal, uma composição tal, é por que foram feitos para seus atores tais: orientais, em um ambiente próprio a eles, onde nenhuma dúvida ou suspeita sobre a veracidade das coisas poderia ser posta em cheque. então. como fazer norah jones parecer autêntica em um cenário que não lhe dizia nada? falando coisas que não são do seu cotidiano, ou pelo menos verossímeis a ele? não, não. norah é estrela americana, bem americana. sua música é para o ocidente, fala dos hábitos e discordâncias da sociedade americanizada. não podia ser diferente na escolha dos atores: a própria jones, nathalie portman, rachel weiss e jude law. que vale dizer, não são medíocres por serem atores hollywood, mas são bons atores, em geral, com papéis medíocres. kar-wai soube disso, e nos deu de presente o resultado. um filme americano, no contexto mais americano de todos: nos diálogos e saídas típicas no mais completo lugar comum de filme podre comercial, no olhar exageradamente voyer em que o diretor nos coloca, no mote do casal feliz, em contraste com a decadência norte americana (rachel weiss e nathalie portman), no galã bom, bonito e ao alcance de todos (jude law), enfim, a perfeita fórmula hollywood, construída pelos olhos orientais de wong kar-wai. também gosto bastante de ry cooder assinar a trilha sonora, que mistura ritmos latinos (tão tão wong kar-wai) com jazz (na voz de norah). enfim, defendo e adoro. acho que o que temos é apenas a certeza de um diretor de peso, que não se transforma e nem cai no clichê de só fazer filmes dentro de um mesmo contexto. ao contrário, se afirma em sua posição intocável de wong kar-wai, um diretor de amores expressos, em todas as suas manifestações, não importa se ocidente ou oriente, se sai bem sempre. arrasa.

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