É de flor desmanchada que escrevo essa carta, é para constatar o meu não-amor e a minha devassidão. Acordei injuriada com o tamanho do mundo para o pequeno e estreito laço que une duas pessoas, é frágil e amargo, é como um corte no pé, desses que já não se dá conta do tamanho, mas sente-se como se fosse uma atmosfera. É com isso que quero e tenho saudade, por que é de sal refinado o nosso elo, não é doce nem simples, é esturricado, e precisa de moderação, cuidado, tempero forte. Já estava decidida que paixão, saudade, cheiro, lembrança, tudo era só ficção e o nosso encontro era dos mais sérios, de gente grande – mas não – descobri quê menina ainda sou, chorando, agarrada a este monte de coisas suas, vazias, me dizendo de você, que foi longe e deixou o peito aqui murcho, calado e triste como uma criança sem mãe.
É de carinho a minha procura cega por rastros e saídas de me contentar, é de tempo, tanto tempo que minha pele toda se inflama, é de ausência que meu estômago reclama, é de amor que tudo vibra. A música, as coisas clássicas e clichês de namorados – ou apenas esses nós que se amam – o cobertor favorito, a caneca, aquele vinho, o nosso filme, o seu livro, a minha rede e nós dois, que pensávamos que tudo isso não era nada. E por isso obrigada, pela enorme ausência que se tornou intolerável e me fez concluir que a presença é incondicional. Três pontos e uma pausa.
A verdade é que escrevo por que você está longe e é alguma coisa como meu dever te dar notícias, e a principal é mesmo essa – não se assuste – mas descobri qualquer coisa parecida com um “te amo”.
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